A que ponto a política exacerba os espíritos de porco

Poder deixa as pessoas meio malucas, mas as coisas parecem estar saindo do controle. Dois casos recentes mostram a que nível doentio as rivalidades podem levar. Desde a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, o filho dele, de 10 anos, tem sido alvo de chacota nas redes sociais. Virou meme. A situação chegou ao ponto de Chelsea Clinton, filha de Hillary e Bill, manifestar-se publicamente e pedir para deixarem o garoto em paz. Ela que sabe bem como é essa situação.

No Brasil, e com o lado oposto do espectro ideológico, a situação foi ainda pior. Muito pior. Nesta semana, Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sofreu acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico. Até o fechamento da coluna, ela permanecia internada no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, em estado grave e em coma induzido. Quando a notícia se espalhou, um grupelho de gente desocupada foi para a frente do hospital fazer protesto. Pior que isso. Imagens da tomografia da ex-primeira-dama se espalharam rapidamente via WhatsApp e ganharam as mídias sociais. Como também se espalharam as comemorações. Gente festejando um AVC. E teve até quem colocasse Deus no meio.

A que ponto chegamos. Há tanta coisa para criticar em Trump, tantos absurdos, tantas posições patéticas e inaceitáveis. É preciso mesmo recorrer a uma criança de 10 anos para atacar o sujeito? Quanto à situação de Marisa Letícia, é preciso ter espírito de porco demais para ir até a frente de um hospital protestar contra alguém que está em coma e teve AVC. É muito pequeno. É abaixo de qualquer patamar aceitável da disputa política.

Assusta-me que as pessoas sejam capazes de nutrir tanto ódio. Mas, admira-me que não tenham vergonha de expressar isso de forma tão desavergonhada. Perdeu-se a noção de senso de limite, perdeu-se a compostura e perdeu-se o pudor.

E se cometeu crime. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo abriu necessária investigação para saber como os exames de dona Marisa ganharam o mundo. É extrema morbidez, é absurda invasão da intimidade jogar no mundo os exames de alguém. Você e eu já fizemos exames médicos. Não é necessário dizer o quão pessoal isso é. O quão desagradável seria descobrir que eles circulam entre desconhecidos. Isso enquanto você está em coma.

Não é preciso se valer de um garoto de 10 anos para fazer críticas políticas. E, por mais ódio que se tenha a alguém, o mínimo de decência recomenda que não se aproveite momento de fragilidade absoluta para chacota, para hostilidade. Tudo tem limite, até espírito de porco, covardia, canalhice.

Fonte: Da Coluna Política, no O POVO deste sábado (28), pelo jornalista Érico Firmo.

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